Educação a distância para ampliar os horizontes
09.02.2006

Para o professor Carlos Roberto Juliano Longo, 47 anos, diretor executivo do FGV Online, a educação a distância no Brasil poderia ser a solução não apenas para alfabetizar a população. A modalidade poderia, sim, responder por um maior número de cursos de ensino superior e até mesmo de pós-graduação, mestrado e doutorado.

Engenheiro, PhD e MBA em Gestão de Negócios pela Universidade de Newcastle, na Inglaterra, Carlos Longo também leciona na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Ele acredita que vai acontecer no Brasil, num futuro não muito distante, o mesmo processo que ocorre nos Estados Unidos, com muitas opções de ensino a distância.

Longo critica a falta de investimento do governo na educação nacional em comparação com países da própria América do Sul - como Argentina e Chile. O professor acredita que o país ainda pensa a educação de maneira muito elitista. Eis a entrevista com professor Carlos Longo.

FOLHA DIRIGIDA - A educação a distância é uma alternativa para o Brasil aumentar a escolaridade da população?
Carlos Longo - Num país de dimensões continentais como o Brasil a educação a distância é a solução para todos os níveis de ensino. Atualmente, ela está muito mais focada no ensino superior e na pós-graduação lato sensu, mas acho que, de alguma maneira, as experiências bem-sucedidas vão acabar levando esse ensino para todos os níveis de escolaridade. E, com isso, aumentando o nível de capacitação e educação da população brasileira.

Existem mais cursos confiáveis atualmente?
Vivemos duas fases da educação a distância no Brasil. A primeira muito centrada na tecnologia. As pessoas só pensavam no computador ou na videoconferência. Então, houve um investimento maciço de empresas públicas e privadas em alta tecnologia. No entanto, surgiu a segunda questão: o que fazer agora que possuo o melhor sistema, o hardware mais desenvolvido, a melhor linha de transmissão? Essas respostas não existiam, pois ninguém tinha experiência, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Principalmente em se falando de internet. Era o início. Houve uma frustração, pois as tecnologias foram usadas como uma grande televisão educacional, sem uma estrutura adequada. O resultado não foi bom. A qualidade de conteúdo era baixa, não havia metodologia para unir controle de qualidade com tecnologia de informação e comunicação.

Em que época ocorreu um avanço real nesse campo?
De 1999 até 2003 aconteceu o boom da produção. Foram feitos investimentos de milhões de dólares de empresas e do governo em tecnologia. Existiam no máximo 20 instituições no Brasil que possuíam autorização do Ministério da Educação (MEC) para trabalhar. E de 2004 a 2006, isso cresceu de forma exponencial, de modo que alcançamos a faixa de 246 instituições credenciadas. E esse número deve dobrar ao longo desse ano. Agora, encontra-se oferta de conteúdo em vários níveis. Diria que 2006 foi o ano da credibilidade do ensino a distância no Brasil, com instituições como a Fundação Getulio Vargas, a PUC-Rio, o Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio, a UFRJ e a Universidade de São Paulo, que está lançando sua primeira licenciatura de ensino a distância. São instituições que possuem uma história de comprometimento com uma educação de qualidade dentro do ensino a distância. Essa participação gera maior confiança nas pessoas.

Quando começou o ensino a distância no Brasil?
O ensino a distancia no Brasil tem pelo menos 60 anos. O pioneiro é o Instituto Universal Brasileiro. A educação a distância em si não é uma novidade, mas a utilização da internet e o que se pode fazer com esse recurso. A internet é um ambiente de conversão de mídias, com a possibilidade de utilização de vídeo, voz, texto, hipertextualidade, comunicação simultânea e hipermodalidade (que são várias modalidades que estão no mesmo ambiente e permitem o acesso das pessoas ao aprendizado).

Quais são os principais exemplos dessa modalidade no mundo?
A Inglaterra é um bom exemplo. Lá existe a Open University. É a universidade mais nova da Inglaterra. Foi criada em 1966 para o ensino a distância e já possui mais de 300 mil alunos pelo mundo que fazem algum tipo de programa. Desde programas básicos de capacitação técnica até educação para idosos e doutorado. É uma das universidades mais respeitadas no mundo. A Open University é um bom exemplo para o Brasil. Somos novos nesse caminho das novas tecnologias. Desta forma é possível aliar quantidade e qualidade em favor do progresso e da evolução do país. Lembro que há cinco anos estava em um congresso nos Estados Unidos quando o reitor da Open University iniciou seu discurso dizendo que fazer ensino a distância para menos de 100 mil pessoas não tinha sentido. Fiquei pensando a respeito disso, pois no Brasil ainda temos uma mentalidade um pouco elitista. Acreditamos que a educação de qualidade ainda é privilégio de poucos. Realmente é possível fazer uma educação de qualidade para muitos, mas dá trabalho e exige empenho.

Como vê as experiências como a do Cederj, consórcio que reúne as universidades públicas do Rio para um vestibular de cursos ministrados a distância?
O Cederj tem algo que ainda é inédito no Brasil. Conseguiu conciliar um grupo de universidades públicas de excelência ao ensino a distância que elas não tinham. E o Cederj foi buscar o conteúdo e a competência técnica nas universidades. Conseguiu gerar, através da tecnologia da educação a distância, o ensino no interior do Estado do Rio. O Cederj não foi o pioneiro, mas um exemplo bem-sucedido que deve ser lembrado como um caso de sucesso. O Cederj é um marco para quem já trabalhou ou trabalha com ensino a distância no Brasil.

Acredita que o futuro do ensino, sobretudo na graduação, estará mesmo no modelo semi-presencial?
O que importa é o ensino. Vão surgir opções, onde o aluno, na sala de aula, vai poder assistir a um curso de finanças avançadas e no período da tarde, estar no computador fazendo um curso de análise de chip de alta tensão. Isso já acontece em várias situações no mundo hoje. Somos preconceituosos. Falar de ensino a distância criou uma certa polêmica. O computador não vai substituir o professor. Ainda somos muito corporativistas. É até interessante falar isso, pois temos dois exemplos: o primeiro foi quando implementamos o ensino a distância na Fundação Getulio Vargas. Lembro que outros colegas da fundação fugiam de mim achando que era loucura tanto trabalho. Tinham medo de disseminar seus conhecimentos no computador e eles serem usados por outros professores. Tive que cativar alguns entusiastas para começarmos o trabalho. E a partir dessa experiência positiva atraímos outros profissionais. Com esse exemplo é possível perceber o nível de resistência das pessoas. Porém, hoje em dia não consigo atender a demanda do número de professores que querem ministrar um curso a distância. Um outro exemplo foi no ano passado, quando estava numa solenidade na Universidade da Califórnia. O reitor da instituição na época disse que na graduação tradicional, a universidade começou a oferecer disciplinas, em paralelo, via internet. Havia também a opção de disciplinas presenciais. E a descoberta da instituição foi a grande aceitação por parte dos alunos, que na maioria das vezes moram no campus da instituição, e ainda assim, optam pelos cursos feitos pela internet. A maior motivação é a mobilidade. Os alunos elegem o que é melhor aprender através da internet. Em algumas matérias a aceitação é maior nas aulas presenciais. Em outras, a adesão é tamanha que a faculdade deixou de oferecer as matérias presencialmente.

A educação a distância é uma tendência nas universidades americanas?
Sim. A cada dia o número dos alunos do ensino a distância vem aumentando. Num futuro próximo, quando o aluno for se matricular num curso de nível superior, já vai encontrar matérias oferecidas nas salas de aula e outras com um login e senha para acesso à internet. A diferença é que em uma você vai até o computador e na outra até o espaço físico da instituição. Acredito que o importante é a qualidade do ensino. A forma vai depender da localidade e da escolha (se houver escolha) e ninguém perde por isso.

É possível a implantação desse modelo no Brasil?
Sim. Muitas pessoas falam que isso não vai acontecer no Brasil. Porém, ninguém ofereceu essa opção ainda. Os americanos ousaram fazer isso e descobriram que ninguém perde com a escolha virtual. O importante é que o ensino seja rico e suficiente e permita ao indivíduo o aprendizado.

Os países da Europa também adotam esse modelo?
Na Europa, o ensino a distância tem sua taxa de sucesso. Mas, sob o ponto de vista do ensino formal, é menor do que o ministrado nos Estados Unidos.

Qual a razão para isso?
É muito comum o aluno, por exemplo, terminar a graduação na França, ou até mesmo no meio da graduação ir cursar um semestre na Inglaterra. Como as distância são pequenas e existe um bloco forte, que é a Comunidade Européia, isso é mais fácil. É uma vantagem competitiva de empregabilidade. Amplia os horizontes dos estudantes. Eles ganham experiência pessoal e profissional. A Inglaterra é territorialmente menor que o Estado do Rio. Para a educação formal, o ensino a distância é muito mais um apoio. No entanto, é muito forte na educação de adultos. Existem exemplos como a Espanha, a França e a Itália. Nos Estados Unidos, um país que possui dimensões continentais como o Brasil, o ensino a distância já está muito mais inserido na vida do aluno de graduação. Em países como a China e a Índia, com grandes populações, isso é importante. Nos EUA é uma questão de opção.

O ensino a distância pode ser uma opção no ensino médio?
Aos poucos o ensino a distância vai ser mais uma opção para o ensino médio. Um exemplo: uma escola do interior da Amazônia pode ter um bom professor de Português, mas não possuir um de Matemática ou Física. No ensino formal, o aluno assiste uma aula de Português pela manhã e à tarde vai para o laboratório utilizar a internet fazendo um curso com um professor de outro estado. Recebe o mesmo nível de ensino que poderia ter de forma presencial.

Um dos desafios do ensino a distância refere-se à qualidade e segurança da avaliação. Há avanços neste sentido?
O Brasil é muito regulado nesse aspecto. E esse excesso pode, muitas vezes, penalizar quem faz um trabalho sério. Todo curso a distância que fornece um certificado ou diploma tem que fazer uma avaliação presencial. Porém, algumas instituições que oferecem esses cursos estão desenvolvendo metodologia sofisticada de avaliação. E em muitos casos não encontramos diferença em termo de desempenho de um aluno presencial e um a distância. Na FGV fizemos estudos nesse sentido e não encontramos a menor diferença entre um e outro. É uma opção do aluno. Um caso curioso foi o de duas turmas de MBA de uma grande empresa do mercado financeiro nacional. Uma era presencial e a outra a distância. E por uma questão óbvia, a empresa queria que os discursos fossem idênticos. O presencial era direcionado para gerentes do Rio de Janeiro e de São Paulo. O curso a distância era para o restante dos gerentes que estavam espalhados pelo Brasil. A metodologia dos cursos era igual. Quando aconteceu a formatura no final do ano passado, os alunos apresentaram projetos. Foi impressionante a qualidade dos trabalhos apresentados por ambas as turmas. E independente disso percebemos maior interação entre os alunos do curso a distância. Eles pareciam mais próximos do que os estudantes do presencial.

Como vê a educação hoje no país? A Engenharia ainda é uma carreira com destaque?
A educação no país, sob o ponto de vista quantitativo, melhorou nos últimos dez anos. Mas, qualitativamente, ainda estamos muito aquém do ideal. Agora o desafio do governo brasileiro é dobrar o número de estudantes nas universidades. O Brasil está chegando perto de 10% da população entre 18 e 24 anos que freqüentam uma universidade. Em outros países da América do Sul, como a Argentina e o Chile, os índices são muito superiores, mantendo a qualidade no ensino. Embora tenhamos dado um salto quantitativo, ainda sofremos no aspecto qualitativo. A qualidade deveria ser uma preocupação constante do ministro da Educação e do governo. No caso da Engenharia, trata-se de uma carreira muito importante. Não existe um país no mundo que não se desenvolva através da tecnologia. No início do século passado, 76% da economia dos Estados Unidos estava baseada na agricultura. Na virada do século 21 esse percentual está entre 4% e 6% na agricultura. O restante é relacionado a serviços e tecnologia. E tecnologia surge com os engenheiros. Levando-se em conta esse aspecto, considero que a Engenharia está muito desvalorizada no Brasil, pois não há muitos investimentos no setor. Por mais que hoje a Engenharia seja desvalorizada, também acredito que a Física, a Matemática e a Química deveriam ser fruto do desenvolvimento tecnológico para o futuro de qualquer país. E o Brasil não pode fugir disso.

De que forma a tecnologia e a ciência podem contribuir para a melhoria da qualidade do ensino no país?
A tecnologia só vai melhorar o ensino no país se houver uma adequação a sua utilização. Ter tecnologia sem pensar em uma estrutura de utilização não adianta muito. Temos que saber usar a tecnologia certa para aquele indivíduo. Por exemplo: para fazer a alfabetização de adultos não adianta usar a internet. Não vai atingir seu público-alvo. Porém, o rádio vai atender a esse fim, pois está inserido no cotidiano dessas pessoas. Mas se chegar em qualquer região pobre do Brasil e levar um computador para um garoto de 8 a 10 anos, ele vai aprender. Às vezes o ensino pode ser muito mais barato do que se imagina. Na verdade, é preciso ter bom senso no momento de se utilizar as ferramentas. E a economia com a tecnologia correta pode financiar as demais.

   

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